Entrevista: O status da Limnologia brasileira, com Prof. Dr. Sidinei Magela Thomaz

23-05-2011 09:46

    Editor associado do periódico científico “Hydrobiologia” (Bélgica) e com mais de 60 artigos científicos publicados (além de numerosos capítulos de livros e quatro livros organizados), o Prof. Dr. Sidinei Magela Thomaz tem se revelado como um dos ecólogos brasileiros com alta produtividade. No último congresso nacional de Limnologia (ciência dedicada a pesquisas ecológicas em corpos aquáticos continentais), o professor e Luiz Mauricio Bini (ecólogo, professor da Universidade Federal de Goiás e pesquisador do CNPq) o chamou de “Ronaldinho Gaúcho” da Limnologia Brasileira, tal é a beleza de seus últimos trabalhos com macrófitas aquáticas.
    Em sua sala repleta de livros e artigos científicos, localizada no Nupélia (Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura da Universidade Estadual de Maringá), Nei, como é chamado por todos, falou sobre a Limnologia à André A. Padial aluno de doutorado em Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Goiás.

 

O que o motivou a escolher a Limnologia como campo de pesquisa? Fale um pouco de sua formação e do cargo que ocupa atualmente.

    Minha motivação veio da infância, quando eu costumava passar minhas tardes coletando plantas aquáticas e peixes em brejos e rios nas cercanias de minha cidade natal, Araraquara, que fica no interior de São Paulo. Já no ensino fundamental, tive os primeiros contatos com a ecologia. Foi amor à primeira vista e a sorte veio em minha direção quando iniciei minha graduação na UFSCar. Sem saber, eu acabava de ingressar em um dos principais centros de ecologia aquática da América do Sul!
Desde o início da graduação, envolvi-me com pesquisa. Graças a um outro golpe de sorte, fui por acaso apresentado ao Prof. Dr. Francisco de Assis Esteves, um dos ícones da limnologia brasileira, durante um simpósio que se realizada na UFSCar. Ele precisava de um estagiário, me convidou e aceitei na hora. Então fui para um laboratório moderno de limnologia no primeiro semestre da graduação. A partir daí, nunca mais deixei de estudar os ecossistemas aquáticos.
Atualmente, sou professor adjunto do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Integro o Núcleo de Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura (Nupélia) e sou docente nos cursos de pós-graduação em “Ecologia de Ecossistemas Aquáticos Continentais” e “Biologia Comparada”, ambos da UEM. Sou bolsista de Produtividade em Pesquisa (categoria 1B) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e desde 2000 tenho me envolvido ativamente também com a política de pós-graduação, junto à Área de Ecologia da CAPES (MEC).

Em poucas palavras, defina Limnologia.

    É o ramo da ecologia que estuda os ecossistemas aquáticos continentais, independentemente de sua origem, concentração salina ou tamanho. Deve-se enfatizar, nessa definição, o fato de a limnologia ser antes de tudo uma ciência ECOLÓGICA. Lagos, rios, brejos, represas estão entre os principais ecossistemas abordados pela limnologia, embora não sejam os únicos.

Quais foram e quais são principais nomes da Limnologia mundial e brasileira?

    O passado da limnologia é rico em celebridades, algumas delas trabalhavam tanto com ecossistemas terrestres como aquáticos. Entre os principais ícones, eu citaria Stephen A. Forbes, Raymond L. Lindeman, August F. Thienemann, George E. Hutchinson, Ramon Margalef e, obviamente, François-Alphonse Forel, considerado o pai da limnologia. Mais recentemente, grandes nomes têm contribuindo para o avanço da limnologia, mas eu destacaria Robert H. Peters (falecido 1996), Robert G. Wetzel (falecido em 2005) e Winfried Lampert, John M. Melack, Colin S. Reynolds, Marten Scheffer, John Cole e Gene Likens, dentre tantos outros que ainda estão ativos. No Brasil, destaco Francisco A. Esteves (UFRJ), José G. Tundisi (IIE) e Francisco A. R. Barbosa (UFMG), que têm contribuído substancialmente para a limnologia tropical.

 


A Limnologia pode ser considerada uma ciência nova no Brasil?

    Um extenso levantamento histórico realizado pelo prof. Esteves, apontou que os primeiros estudos limnológicos realizados no Brasil remontam a Oswaldo Cruz, ainda no final do século XIX. Após essas investigações pioneiras, estudos esparsos foram realizados entre os anos 30 e 60, mas somente a partir da década de 70 é que essa ciência efetivamente se desenvolveu no Brasil. Como ocorreu com a maioria das demais ciências, a limnologia começou a avançar efetivamente em nosso país após a criação e o aperfeiçoamento do sistema de pós-graduação. Nota-se com clareza um crescimento exponencial do número de limnólogos e de sua produção científica principalmente após os anos 80.

Cite, em sua opinião, os três principais centros de pesquisa em Limnologia do Brasil.

É difícil citar somente três, então tomarei a liberdade de citar seis, independente da ordem de importância: as Universidades Federais de São Carlos, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, juntamente com a Universidade Estadual de Maringá e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

É nítido que o Brasil apresenta um grande potencial para estudos limnológicos, pela quantidade e diversidade de ambientes aquáticos. Mas, qual a relevância da pesquisa brasileira no cenário internacional?

    Nosso impacto, em geral, ainda é muito baixo, mas isso não é peculiar à limnologia. De acordo com os últimos dados compilados pelo “Institute for Scientific Information”, somos o 17º país no mundo em número de trabalhos publicados (confira aqui), mas em termos de citações, não figuramos entre os 20 primeiros colocados. Cabe destacar que os índices de citação servem para medir o impacto de um trabalho científico: assume-se que o destaque (ou importância) do trabalho está diretamente relacionado com o número de vezes que o mesmo é citado por outros autores. Em outras palavras, estamos produzindo bastante, mas agora entramos em uma fase que talvez valha a pena nos preocuparmos mais com a qualidade de nossa produção.

 


O que fazer para melhorar?

    Concentrarmos mais em aspectos teóricos ou conceituais. A demanda por ciência aplicada é grande, especialmente em um país de terceiro mundo como o nosso, mas não podemos virar as costas para a busca de conhecimentos básicos. Ainda sabemos muito pouco sobre o funcionamento de nossos ecossistemas aquáticos e temos o dever de contribuir para a evolução do conhecimento dos ecossistemas tropicais. Se o Brasil não assumir o papel de liderança nos trópicos, quem o fará? (Risos) Com isso, não quero dizer que devemos simplesmente deixar de enfocar aspectos mais aplicados, como contaminação ou poluição, mas creio que a diversidade de enfoques científicos é salutar e é essa diversidade que faz a ciência progredir, em última análise. Em outras palavras, na maioria das vezes, quando elaboramos um projeto científico enveredamos esforços para convencer as agências financiadoras sobre a aplicação imediata do mesmo. Isso tem que mudar: ciência aplicada é importante, mas a busca por novas teorias e o teste de conceitos atuais, que nem sempre têm aplicação imediata, devem ser incentivados. Creio que estimular a ciência básica é uma obrigação dos órgãos de fomento, antes de tudo.

    Devido ao aquecimento global, as previsões falam de escassez de água em diversas áreas do Brasil, inclusive na Amazônia. A biodiversidade aquática está ameaçada? Cite também outras fontes de ameaça para os ecossistemas aquáticos no Brasil.
Certamente a biodiversidade aquática está ameaçada! Há várias causas diretas e indiretas, derivadas do aquecimento global, que podem ameaçar as espécies. Rios que hoje são perenes podem passar a ser intermitentes, o que seria catastrófico para muitas espécies aquáticas. O mesmo pode se dizer para lagos e reservatórios, cujas alterações de níveis de água e o aumento da freqüência de períodos secos poderiam comprometer a biodiversidade de forma radical.
    Obviamente, a biodiversidade aquática já se encontra ameaçada por vários outros impactos antropogênicos no Brasil, que variam de acordo com a região. Porém, atualmente eu destacaria que o desmatamento dos biomas Mata Atlântica, Cerrado e Floresta Amazônica, assumem papel dramático, pois a biota dos ecossistemas aquáticos depende profundamente da integridade dos ecossistemas terrestres adjacentes. Outros dois impactos, porém, merecem destaque: poluição e a construção de barragens.

Recentemente, um dos maiores e mais tradicionais centros de pesquisa em Limnologia do Mundo, o instituto Max-Planck, fechou suas portas. O que isso significa para essa ciência? Você acha que a Limnologia está passando por uma crise existencial?

    Sim, a limnologia está passando por uma profunda crise, embora alguns pesquisadores prefiram ignorar esse aspecto. O próprio fechamento do Max-Planck, que foi o primeiro instituto de limnologia do mundo, reflete essa crise. Segundo as palavras do próprio ex-diretor, Dr. W. Lampert, a principal razão para o fechamento é a atual tendência da limnologia supervalorizar aspectos aplicados, esquecendo-se de fazer ciência básica. Tendo em vista que a Fundação Max Planck prima pelo “novo” em ciência, não restou alternativa senão fechar o instituto. No lugar do ex-diretor, assumiu um pesquisador cujo principal enfoque é voltado para ecologia molecular, evolutiva e evolução experimental, enfoque esse que nenhum limnólogo estava preparado para desenvolver.

Em sua opinião, em quais campos a Limnologia ainda deve avançar?

    Creio que ainda há um vasto campo para a limnologia experimental, principalmente em regiões tropicais, onde ainda predominam estudos descritivos. Porém, ainda acredito que a grande contribuição venha de estudos teóricos, conforme já enfatizei anteriormente.

    O Brasil tem condições intelectuais e logísticas para estar entre os grandes nesse desenvolvimento?
Certamente sim, especialmente após a década de 80, quando os centros de pesquisa e cursos de pós-graduação foram criados. É nítido o grande número de alunos brilhantes que estão finalizando suas dissertações de mestrado e teses de doutorado ultimamente. Em sua maioria, esses pós-graduandos publicam vários artigos em revistas internacionais antes mesmo de terminarem suas dissertações e teses. Nossa comunidade limnológica cresceu quantitativamente e qualitativamente e agora é hora de começarmos a colher os frutos. A estrada é longa, mas alcançaremos nosso objetivo de colocar o Brasil no merecido lugar de destaque, em termos de produção científica!

Finalmente, um pingue-pongue (defina em poucas palavras).

>>Harald Sioli: O pai da limnologia amazônica
>>George E. Hutchinson: O ecólogo mais influente do século passado
>>Robert G. Wetzel: Um dos mais influentes limnólogos, que nos fez compreender a importância da “matéria morta” no funcionamento dos ecossistemas aquáticos
>>José G. Tundisi: Grande liderança; responsável pelo crescimento da limnologia no Brasil
>>Reservatórios do rio Madeira: Xiiiii. Não sei!!! (Risos)

Publicado originalmente em https://bafanaciencia.blog.br/bafana-divulga/divulgacao-cientifica/entrevista-o-status-da-limnologia-brasileira.