Biólogo e Meio Ambiente

14-06-2012 20:47

 

Biólogo e Meio Ambiente

IZABELLA TEIXEIRA

Ministra de Estado do Meio Ambiente

Desde que surgiu no planeta o homem precisa se relacionar com o ambiente, dele extraindo matéria e energia para sua sobrevivência e desenvolvendo estratégias para se proteger das ameaças que o meio impõe. A evolução das sociedades humanas invariavelmente se associa ao acréscimo de demanda sobre recursos naturais, e seu declínio com o esgotamento dos mesmos. Com a sociedade moderna não é diferente, contudo, com a atual população e o elevado grau de consumo de grande parte das comunidades humanas, a relação do homem com o ambiente natural assume contornos desafiadores. Nesse contexto todo o conhecimento e engenho humano devem ser direcionados para a construção de alternativas sustentáveis, e um profissional em particular, o biólogo, assume um protagonismo determinante.

O registro histórico indica que um dos primeiros atos dos portugueses ao desembarcar no novo continente foi cortar uma árvore. Segue a partir daí uma história de devastação associada a diferentes fases ou ciclos econômicos, entre os quais o do pau-brasil, da cana-de-açúcar, algodão, cacau, café e, mais recentemente a expansão urbana. Como no resto do mundo civilizado, também no Brasil essa sucessão de eventos simboliza o progresso. Por aqui também passaram grandes cronistas e naturalistas, que testemunharam uma devastação, cuja dimensão era a de uma completa destruição das riquezas naturais. Aprendemos a interpretar esse quadro como conseqüência inevitável do progresso e a cobrar maior agilidade no seu curso.

Por outro lado, historicamente o conhecimento sobre a natureza brasileira caminhou numa velocidade inferior àquela imposta ao ritmo da devastação. A monumental obra do alemão Georg Marcgrave, membro da primeira expedição científica ao Brasil, promovida em 1638 pelo Príncipe Maurício de Nassau, nos brinda com minuciosas descrições de peixes, aves, mamíferos, insetos e plantas. Não obstante, a preocupação maior era conhecer a terra que se pretendia colonizar e explorar. Os naturalistas redescobrem o Brasil no século XIX. Alexander Von Humboldt, Maximilian de Wied, Auguste Saint-Hilaire, Georg Heinrich von Langsdorff, Johan Baptist von Spix, Karl Friedrich Philipp von Martius, são nomes eternizados na designação científica da nossa fauna e flora.

O trabalho de Von Martius "Flora Brasiliensis" é até hoje, nos tempos da internet (https://florabrasiliensis.cria.org.br/), livro de consulta obrigatória para quem trabalha com a natureza no Brasil. Contudo o Brasil era um imenso território de passagem e todo conhecimento aqui produzido era rapidamente levado ao país de origem dos autores, assim como quase sempre toda a coleção biológica associada.

Nomes brasileiros com destaque nas ciências naturais começam a surgir muito timidamente. Alexandre Rodrigues Ferreira, Manoel Arruda da Câmara, Francisco Freire Alemão, João Barbosa Rodrigues, Joaquim Monteiro Caminhoá, são alguns desses expoentes que, mesmo no Brasil de hoje, figuram como ilustres desconhecidos, já que o reconhecimento do trabalho por

eles desenvolvido é ínfimo. Em "Biologia do Brasil" Mello Leitão nos oferece uma elucidativa síntese:

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Num país sem cultura e onde nunca os governos, desde o tempo do império, deram atenção às ciências naturais, destinando-lhes apenas algumas míseras migalhas no orçamento, é preciso muito despreendimento, muito pouca preocupação com o próprio bem-estar e com o conforto da família e um alto espírito de sacrifício para ser-se naturalista".

Mesmo que tenhamos alguns raros casos de manifestações explicitas em prol da conservação da natureza por parte de nossas lideranças políticas, o fato é que o menosprezo pelo "natural" predominou. No Brasil Império, José Bonifácio de Andrada já cobrava uma inversão no modelo extrativista-predatório-exportador. André Rebouças requeria a implementação de normas rígidas para o controle da atividade madeireira, assim como demonstrou pioneirismo na cobrança pela implementação de parques nacionais no país. Alberto Torres se notabilizou pelas propostas de incorporar no texto constitucional a defesa e a proteção do solo e das riquezas nacionais do país, e a preservação das fontes de riqueza ainda virgens, assegurando a conveniente exploração, conservação e reparação das que estiverem em exploração.

Nosso primeiro Código Florestal, de janeiro de 1934, implementou mudanças na ordem jurídica incorporando essa nova percepção de relação do homem com a natureza. Nisso se antecipou à própria Constituição de 1934. Nesse mesmo sentido podemos falar que o Novo Código Florestal, este de 1965, em matéria ambiental, muito se antecipou à Constituição cidadã de 1988. Não obstante, o distanciamento da sociedade continuou e as normas de proteção ambiental mantinham-se numa espécie de dormência induzida.

É com o agravamento da crise ambiental que a sociedade passa a cobrar soluções, entre as quais a necessária observância das normas de proteção ambiental. Longe de uma mudança de postura consciente, as manifestações são em geral reativas e direcionadas à cobrança de soluções que remediassem os efeitos indesejados. Chamuscada pelas conseqüências negativas do uso predatório dos recursos naturais, a sociedade brasileira começa a exigir uma abordagem técnica e profissional do problema. O naturalista deixa de ser o diletante excêntrico caçador de borboletas e, numa repentina ainda que tardia transformação passa a ser identificado como o profissional biólogo.

Paulo Nogueira Neto, um dos jovens fundadores da Associação de Defesa da Flora e da Fauna, nos idos de 1954, e mais tarde, em 1974, primeiro titular da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) do Governo Federal, onde permaneceu até 1986, foi um dos protagonistas desse processo. Após um árduo processo de convencimento no Congresso Nacional, em 03 de setembro de 1979 foi aprovada a lei nº 6.684, que criava a profissão de biólogo; posteriormente regulamentada pelo decreto nº 88.438, de 28 de junho de 1983. Coube a Paulo Nogueira Neto presidir e iniciar os procedimentos administrativos e normativos da nova autarquia, o Conselho Federal de Biologia, num momento em que o agravamento da crise ambiental exigia agilidade, tenacidade e muita criatividade.

Nesse período o Brasil também estabeleceu formalmente sua Política Nacional do Meio Ambiente, aprovando a lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Constituiu-se com ela o Sistema Nacional de Meio Ambiente –

SISNAMA, e estruturou-se, entre outros, o seu órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.

Ainda que estes eventos não envolvam tão somente profissionais biólogos, a atuação destes, a partir da regulamentação da profissão, marca uma nova fase na gestão ambiental no Brasil. A enorme demanda decorrente do acúmulo de problemas ambientais e a crescente exigência pela adoção de praticas e tecnologias inovadoras, a mitigação dos impactos gerados, e a conscientização da população, impulsionaram o reconhecimento do papel do biólogo como profissional essencial para responder a esse monumental desafio. A menção à edição da lei nº 6.938, que instituiu o SISNAMA, é necessária para entendermos sua importância no desenho deste novo cenário. Por certo a consolidação de uma legislação ambiental condizente com o tamanho do desafio, mostra-se igualmente determinante para a efetiva inserção do profissional biólogo na dinâmica do mercado. A sociedade passa a reconhecer e assumir que a economia não pode avançar dissociada da ecologia, portanto, a variável ambiental precisa figurar como elemento decisivo no planejamento do desenvolvimento nacional.

O protagonismo do profissional biólogo torna-se evidente com a exigência de estudos prévios de impactos ambientais de projetos e de atividades modificadoras do meio ambiente, bem como da exigência de projetos de restauração dos ambientes degradados e tratamento de resíduos, e tantos outros necessários à gestão ambiental, todos com abordagem necessariamente multidisciplinar. Num ritmo crescente de exigências de um mercado que tende a ser mais seletivo e consciente da necessária produção limpa, a atividade do biólogo no mundo empresarial cresce. As empresas abandonam uma visão meramente reativa e vinculam cada vez mais sua imagem e seus produtos com a responsabilidade ambiental. Incluir profissionais biólogos nos seus quadros torna-se imperativo.

A necessária estruturação dos órgãos públicos, responsáveis pela regulamentação, acompanhamento e controle da política pública ambiental, também pressiona por forte mudança no cenário ampliando o conhecimento sobre a biodiversidade e seus processos ecológicos evolutivos, e novamente abrindo espaço para a atuação do biólogo.

A consciência ambiental, inicialmente restrita a grupos minoritários de ativistas da causa, se expandiu trazendo consigo uma crescente demanda por novas informações. A necessidade de implementar e difundir programas de educação ambiental faz com que o biólogo seja requisitado nos mais diversos setores e segmentos da nossa sociedade. 2010 é o ano internacional da biodiversidade e a contribuição desta para nossa vida não é apenas prática, física ou funcional, é também cultural. A diversidade do mundo natural tem sido uma fonte constante de inspiração ao longo da história humana, influenciando as tradições, a forma como nossa sociedade tem evoluído e como tem sido o fornecimento de bens e serviços básicos sobre os quais o comércio e a economia são construídos. Conhecê-la adequadamente e implementar práticas que garantam seu uso sustentável, revertendo tendências de perda, são medidas que a sociedade atual já elegeu como necessárias e imprescindíveis.

Todos estes fatores contribuíram para a consolidação da profissão de biólogo. E igualmente importante nesse processo foi a resposta positiva, fundamentada na excelência profissional e na firmeza de compromissos éticos, da atuação do Sistema Conselho Federal e Conselhos Regionais de Biologia.

É inegável que o século XX foi uma época de progresso técnico e científico exponencial. Não obstante, lacunas no conhecimento ainda existem e algumas delas estão no simples registro e catalogação taxonômica da nossa diversidade biológica, sem grande perspectiva de resolução no curto prazo. O impacto das mudanças climáticas associadas a atividades humanas exige o repensar de nossas práticas. Com o esforço conjugado dos mais diversos setores da sociedade estamos construindo alternativas. Planejar o futuro administrando esses problemas é um sinal de maturidade, indica que ainda podemos ter esperança, acreditando que podemos mudar, evoluir com responsabilidade. Como país temos desafios, mas também enormes e destacáveis potencialidades. Com a necessária vontade política poderemos manter um projeto de desenvolvimento pautado no respeito ao ambiente natural e na solidariedade humana, condições imperativas para sua sustentabilidade. Como país megadiverso com inovadora liderança no cenário internacional, possuímos imensa responsabilidade na determinação dos novos rumos da sociedade. Dar conta dos desafios citados requer profissionais competentes, compromissados e atuantes, dentre os quais o biólogo é um dos mais necessários.

 

Extraído de: https://www.cfbio.gov.br/arquivos/Texto-Ministra-MMA-Izabella.pdf